terça-feira, 15 de julho de 2014

Canal de Opinião

Sem sustentabilidade a democracia esfuma-se e produz ditadura (#canalmoz)

Beira (Canalmoz) – Muito se tem dito sobre a democracia em Moçambique. Políticos de todas as latitudes são rápidos a proclamarem os seus desejos de verem a democracia florindo no país. Muitos são os que se dizem democratas. Mas será que somos democratas ou que vivemos em democracia?
Diz-se amiúde que mesmo os países com as formas mais antigas de democracia ainda possuem problemas tanto de concepção como de implementação da democracia. Sempre que se vejam ataques à imperfeição da democracia moçambicana, os seus defensores correm para argumentos baseados no tempo e na experiência institucional do país.
A evolução política do país acontece obviamente dentro de parâmetros temporais e não se pode pedir mais ou em demasia para partidos e Governos que ainda não possuem aquele tempo de existência que lhes garanta um acumulado de experiência que lhes permita comparar e escolher formas mais sustentáveis de regime político.
Só que a defesa da democracia não pode significar ignorar aquilo que se poderia fazer e implementar em tempo útil. Hoje, o país vê-se a braços com um conflito político-militar que importa compreender. Há que saber qual é a génese e os constrangimentos que atrasam a implementação da democracia no país, antes que se possa encontrar a terapia ou profilaxia pertinentes.
Pode parecer repetitivo e enfadonho falar ou ouvir falar de “separação dos poderes democráticos”, mas é aí que está a génese do insucesso ou sucesso no processo político moçambicano.
Os legalistas de hoje esquecem-se, sempre que lhes convenha, que o poder exercido actualmente tem a sua génese em fraudes e manipulações de processos eleitorais. Apresentam como evidência que temos uma Constituição da República democrática, mas negam-se a admitir que mesmo com esse documento de base não houve vontade de aperfeiçoar formas e conteúdos que favorecessem uma separação de poderes bem como a limitação de excessos de poderes.
Considerando-se que em genética a consanguinidade traz problemas específicos, os políticos deveriam já ter descoberto que aquilo que lhes confere poder de controlo e de decisão nem sempre significa o correcto, o necessário e o sustentável.
A suspeição fundamentada e a montagem de esquemas que favoreçam um partido político em detrimento de outros têm-se aprofundado ao longo dos tempos.
Uma barreira legal foi sendo erigida em defesa dos detentores do poder, de tal forma que a palavra final em processos eleitorais não é dos órgãos eleitorais e dos votantes mas de quem exerce o poder executivo.
Não se pode possuir um produto acabado perfeito em termos legislativos, e isso é preciso admitir de partida. O AGP assinado em Roma foi um instrumento de importância crucial para o fim das hostilidades, mas, daí para a frente, houve uma manifesta recusa de abordar o documento de forma a aperfeiçoá-lo, já incorporado na CRM.
Quando hoje surgem reclamações legítimas sobre paridade nos órgãos eleitorais e na defesa e segurança, isso deve ser visto como um falhanço dos políticos que não se preocuparam em desenvolver formas de convivência política baseadas numa democracia sustentável.
Um ambiente cáustico e desconfiança permanente entre os interlocutores políticos do país endurece discursos e faz resvalar intenções legítimas de democratização do país.
Quando o Ministério Público se sente impotente e incapaz de dirimir suas acusações por força dos poderes evidentes do executivo em impedir a sua, actuação começa o processo de descarrilamento do processo político.
A impunidade que alguns actores políticos e económicos sentem que possuem ou de que gozam é produto directo da asfixia dos instrumentos legislativos e judiciários.
Não há problema algum em aceitar que uns moçambicanos enriquecem mais depressa do que os outros, ou que existem os mais empenhados e os que não se preocupam com tal assunto. Não há advocacia de igualitarismo absoluto na esfera económica e financeira. Mas quando a riqueza é de maneira evidente produto de compadrios corruptos, do nepotismo e do tráfico de influência, do “procurement” estatal inquinado, da distribuição de favores, isso preocupa toda uma sociedade e constitui-se no braço fortíssimo contra a democracia económica.
Numa situação de desespero e de indigência, de afastamento e de inacessibilidade concreta ao emprego, à riqueza do país, começam a surgir rumores de assimetrias facilmente comprováveis.
Os detentores do poder do dia esqueceram-se de que a assinatura do AGP só significava um recomeço em moldes pacíficos da construção do país uma vez rejeitada a república popular ou o socialismo de ontem. Esqueceram-se também de que, sem uma reinserção social adequada, os antigos integrantes da guerrilha da Renamo não deixariam de constituir problema no futuro. Uma guerrilha faz-se com promessa, e mesmo a Frelimo fez determinadas promessas aos seus guerrilheiros na sua luta anticolonial. O estatuto de Antigo Combatente com as mordomias ou regalias associadas fez acalmar possíveis rebeliões entre este segmento histórico proveniente da guerrilha independentista.
A soma de derrotas eleitorais engendradas nos círculos de inteligência e dos órgãos eleitorais mais uma insatisfação generalizada dos integrantes da guerrilha da Renamo encostou a sua liderança contra a parede.
Chegou-se a um ponto de rotura da “paz podre” que se vivia.
Mesmo a avalanche discursiva e a tentativa desenfreada de pintar a Renamo como demónio e inimigo da paz e do desenvolvimento não encontram o eco pretendido, porque os moçambicanos aprenderam a diferenciar o dito do feito.
Os atropelos sucessivos às leis e os abusos do poder, o poder discricionário, a altivez bem como a falta de honestidade político-intelectual afastam as partes e produzem desconfiança fatal para as aspirações democráticas.
Alguns que se supunham com poder suficiente para darem o xeque-mate aos opositores viram as suas intenções frustradas em certa medida pela reacção que a sua oposição armada decidiu demonstrar.
Os conluios para atrasar a democracia e inviabilizar a democracia em Moçambique devem continuar a ser combatidos em todos os campos, com realismo, determinação, seriedade e inteligência.
Travar apetites ditatoriais vai requerer muitos esforços de todos os moçambicanos.
É perigoso confundir mais uma estrada construída ou mais um edifício com democracia e desenvolvimento.
O endividamento insustentável do país associado ao saque incomensurável dos seus recursos não abona as intenções dos promotores de tais iniciativas.
Para além de mais alimentos, saúde e habitação, os moçambicanos aspiram por liberdade e democracia genuína.
Só um Governo funcionando no cumprimento das leis e longe de tentativas de reintroduzir controlos repressivos ao nível dos serviços de segurança e inteligência é que poderá realizar com sucesso os seus programas. (Noé Nhantumbo)

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