Editorial do Magazine Independente(04-11-09)
Tal como tínhamos afirmado, em editoriais anteriores, o casamento político entre o partido Frelimo e a Renamo, vulgo FRENAMO, na CNE e no “Constitucional”, era precário e defeituoso, porque assente numa base bastante frágil, que era, por esses dias, o combate contra o então inimigo comum, o MDM. A Renamo, então convencida de poder vir a ter ganhos políticos significativos, apressou-se a colaborar com o partido Frelimo, a nível da CNE, alinhando, por isso, com a estratégia do partido no poder, a de eliminar, quanto antes, a hipótese de vir a não conseguir, no futuro Parlamento, os dois terços de assentos, ora muito bem conseguidos.
Em devido tempo, avisámos a Renamo do perigo da sua ingenuidade, alertando-a de que aquele colaboracionismo cego com a Frelimo apenas favoreceria o partido governamental e penalizaria, de forma gravosa, a própria Renamo em quase todos os círculos eleitorais.
Em menos de três meses de casamento político “por conveniência”, eis que o divórcio da FRENAMO não se apresenta, apenas, como litigioso, mas, certamente, como um divórcio incendiário, belicoso, que envolve a movimentação de armas e homens, alegadamente, para protestar contra os resultados da sua empenhada colaboração com o partido no poder.
Em Nampula, o líder até já indicou os alvos que vão pegar fogo primeiro: os bens públicos na posse do STAE.
Na Beira, a caixa de ressonância do líder acrescentou novos dados: se os resultados continuarem desfavoráveis ao líder e seu partido, então, Sofala será “independente” de Moçambique, isto é, passará a República de Sofala, governada pelo Presidente Afonso Macacho Marceta Dhlakama!
É inacreditável ter de aceitar-se, porque registado, que as personalidades que assim falam, até há cerca de dois meses atrás, estavam eufóricas com a eliminação do MDM, pela CNE, por via da qual aquele partido viu cerceado o direito a concorrer na maioria dos círculos eleitorais. As mesmas figuras, então, rejubilaram com aquela inconsistente e ilegal decisão da CNE, pensando que a mesma, embora totalmente antidemocrática, lhes iria trazer benefícios políticos. Nessa altura, as declarações dos dirigentes e analistas da Renamo, nos órgãos de comunicação social, não se referiam a nada de anormal na exclusão dos outros partidos. Antes pelo contrário, os analistas da Renamo repetiam, embora sem conhecimento de fundo, a ladainha dos membros da CNE, que diziam ter agido no estrito cumprimento da Lei. Só que, afinal, é esse tal cumprimento da Lei o que está, hoje, a desembocar no presente divórcio, incendiário, no seio da FRENAMO.
Aí está, mais uma vez, o resultado de se fazer política sem o conhecimento da estratégia de acção política, o resultado de improvisação, o resultado da falta de visão de longo prazo, o resultado da falta de planificação e da consistência organizacional interna no seio da Renamo.
Ao fim do dia, nestas eleições parlamentares, houve dois grandes vencedores, nomeadamente a Frelimo, que sai dos seus 160 deputados para mais de 190 parlamentares, e o MDM, que sai de zero deputados, para mais de sete assentos, num parlamento outrora dominado por apenas duas forças políticas.
O maior perdedor destas eleições é, certamente, a Renamo que cai dos seus 90 deputados para menos de 50, perdendo mais de 40 assentos! Isso é uma derrota escandalosa, para um partido com a idade política da Renamo.
É uma derrota escandalosa, mas não surpreendente, pois nenhum analista, minimamente sério, poderia esperar uma vitória da Renamo nas presentes eleições, uma vez que a própria Renamo não tinha trabalhado para tal.
Aliás, a Renamo fez um imenso investimento na sua própria derrota, vivendo de controvérsia em controvérsia, de expulsões em expulsões de quadros seniores e de preguiça em preguiça, inventando sempre desculpas para não sair ao terreno de trabalho político sério. A Renamo passou um quinquénio inteiro a gerir intrigas internas e a não se fazer ao terreno de trabalho político árduo. A Renamo demonstrou, com uma clarividência invulgar, que é um partido em franca decomposição, um partido a caminho célere do abismo político total.
Por isso mesmo, a Renamo só se deve queixar de si própria, e de mais ninguém.
A Renamo nunca aproveita os diversos conselhos, gratuitos e desinteressados, que lhe advêm de vários quadrantes de opinião, os quais sempre lhos deram para a melhoria da sua actuação política. Sempre que o líder da Renamo abre a boca, só tira bacoradas de difícil correcção. Diz coisas em que nem ele próprio acredita.
Por exemplo, Dhlakama sabe que não vai incendiar país nenhum, porque ele não possui capacidade para tanto, mas, ainda assim o afirma. Ele quer parecer o que não é. Dhlakama sabe que perde as eleições porque não trabalha com o povo, ao longo dos cinco anos que intermedeiam as eleições, nem investe na sua própria educação politico-democrática, aprendendo coisas como a estratégia política, a importância da planificação das actividades políticas, a importância de um calendário anual dos eventos internos do partido, entre outras matérias capazes de melhorar o desempenho dele próprio e o do seu partido político. Mas, após a votação, quer parecer que trabalhou muito para ganhar as eleições, o que é mentira. Ao longo dos últimos cinco anos, por exemplo, Dhlakama, praticamente, não fez o trabalho político de base, o tal que deveria ter feito para, em Outubro de 2009, colher os frutos.
Apesar disso, porém, Dhlakama pretende colher os mesmos frutos que colhem aqueles que trabalharam arduamente ao longo dos cinco anos! Isso seria um milagre e, em política, os milagres são muito raros. Em política, funciona o princípio que reza: “a cada um segundo o seu esforço”. É aqui, e por via disso, que cada um recebe na medida do seu verdadeiro esforço.
Vejam o caso interessante do MDM. Com apenas sete meses de idade, e concorrendo contra a vontade da CNE, Conselho Constitucional e demais órgãos do poder, instalados, mesmo assim, conseguiu transformar-se na terceira maior força política de Moçambique, quebrando longos anos de bipolarização parlamentar e deixando para trás mais de 40 partidos que se orgulham, apenas, de serem chamados de “extra parlamentares”, há mais de 15 anos, tais como PIMO, PARENA, PANAOC, PAREDE, PL, entre outros que, na hora da verdade, viram autênticos mercenários, à procura das migalhas de pão que a opulenta mesa do poder vai deixando escapar para o chão. São partidos instrumentalizados, disponíveis para qualquer exercício de bajulação que se mostre urgente realizar, desde que tragam algum benefício para o respectivo “presidente” e seus familiares e amigos, estes que, muitas vezes, são os únicos “membros” de tais “partidos”.
Com os resultados que estão sendo divulgados, fica, finalmente, claro por que é que a CNE se empenhou tanto em excluir determinados partidos. É que, concorrendo todos em pé de igualdade, a festa da celebração da vitória teria lugar, em simultâneo, em diversas sedes partidárias, o que, naturalmente, não se chamaria festa de “arromba” nem de vitória “retumbante” daqueles cuja “vitória” é, sempre, “um imperativo nacional”. Haveria que se encontrar um adjectivo mais modesto, o que, obviamente, embaraçaria a legitimidade do poder conquistado.
Muita coisa será ainda escrita sobre os resultados eleitorais. Por enquanto, estamos, apenas, a registar o princípio do fim da FRENAMO, que se salda em um divórcio incendiário, portanto, pior que o divórcio litigioso que sempre soubemos que, mais cedo ou mais tarde, se viria a consumar.
Infelizmente, porém, e para efeitos de desígnio nacional, nesse sentido, o que está a acontecer ultrapassa, largamente, as nossas humildes expectativas iniciais!
Salomão Moyana